
Há já algum tempo que sinto vontade de escrever sobre adopção.
Mas não vou escrever sobre as dificuldades que surgem aos casais quando decidem envergar por este caminho. São geralmente casos de casais que não conseguem ter um filho biológico.
Não vou falar da quantidade de crianças que esperam em instituições, por uma decisão do tribunal, para ficarem habilitadas a serem ou não adoptadas, ou entregues aos pais biológicos, porque afinal já deixaram de ser toxicodependentes, ou porque vão ser acompanhados por uma psicóloga ou por uma assistente social, que tem cerca de 4.000 crianças entregues a si e que obviamente não poderá dar apoio a estas crianças.
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Não hoje quero escrever sobre casos reais, que conheço muito bem. Casos de sucesso e que presenciei porque se passaram com pessoas muito minhas amigas. Por isso casos vividos e acompanhados por mim.
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A Rita e o Pedro são um casal que não podiam ter filhos biológicos, tentaram tudo, mas nada funcionou. Recordo que ela se afastava sempre que o assunto eram crianças. Mesmo quando uma amiga surgia com o seu bebé ao colo, ela parecia que não o via. Cedo entendi o seu sofrimento e sempre o respeitei. Várias vezes falamos a sós sobre o facto de ela não conseguir engravidar. Contava-me todo o percurso porque já tinha passado, o sofrimento físico e psicológico, mas nunca me falou da hipótese da adopção. Eu sentia-a sempre triste, como morta por dentro, sem sorriso e muito fechada. Um dia ao entrar em minha casa reparei que no seu carro se encontrava uma cadeirinha de bebé, bonita e cheia de brinquedos de criança. Juro que a primeira ideia que me surgia foi adopção! Adoptaram um bebé. Mas como me parecia algo demasiado maravilhoso, coloquei outra hipótese mais plausível. É um primo, tentei convencer-me. Ainda não tinha fechado a minha porta, quando os ouço chamarem-me. Recordo tão bem, olhei e vi algo que guardarei para sempre. Os meus amigos com um sorriso que lhes saída espontaneamente do coração, muito colados e no meio estava um menino lindo, com um ar observador, mas tranquilo. Pensei que teria um ano talvez, mas aquela imagem tocou me tanto, que a alegria deles era a minha e quase não consegui falar. Foi como se de um nascimento se tratasse, naquele instante. Corri para eles sem hesitar, abracei os e entre beijos e mimos, tentei a custo perguntar quem era aquele menino? Como se eu não soubesse. Falamos depois com calma e fiquei a saber que tinha recorrido à adopção, mas não escolheram sexo nem raça, nem idade sequer. Por isso foi rápido e apareceu este menino Africano, que já andava, mas que precisava de um pai e de uma mãe. Bem também de uma tia emprestada, que sou eu! Lembro-me que depois da nossa conversa, corri e fui comprar o seu primeiro brinquedo, colocando de fora os que os pais já tinham comprado. Foi o boneco mais bonito que encontrei, que ficou na cama deste menino que finalmente ia ter uma família.
Estes meus amigos, mudaram completamente, e se já gostava deles, passei a admira-los ainda mais.
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Vivi mais um caso idêntico àquele que vos contei, mas este consegue ser ainda mais original. Porque estes meus amigos, para além de também nada exigirem, aquando da proposta para adopção. Adoptaram um casal de irmãos, também africanos e que já tinham 6 e 8 anos. Este casal é tão novo que não teriam normalmente idade para terem filhos daquela idade. Tenho acompanhado o percurso, e posso dizer-vos que estas crianças se tem vindo a transformar, ele por exemplo, era muito tímido e sensível. lembro-me de um dia em que estávamos todos juntos e havia mais crianças e ele começou a chorar sem que houvesse motivo. Eu que estava mesmo ao seu lado, olhei para o pai e fiz-lhe um pequeno sinal visual que ele entendeu de imediato, sorrio-me e aproximou-se, agarrou-o com extremo carinho e ficam assim algum tempo, sem que se conseguisse ouvir o que falavam, notei a grande intimidade que existia entre eles, o amor daquele pai por aquele filho. Há dias estivemos juntos, estão com 11 e 13 anos, lindos, felizes, tranquilos, exactamente como qualquer outra criança que não tivesse passado por tudo o que estes passaram. Ao falar com a mãe, transmiti-lhe o que sentia, o que via, ela feliz, mas contida, sorrio-me e transmitiu-me o milagre que tem visto no crescimento destes dois meninos. O mérito é sem dúvida destes pais, que incondicionalmente tem sabido amar, compreender e ajudar estas duas crianças a crescer.
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Mas hoje não fico por aqui, por incrível que pareca no meio dos meus amigos do coração, ainda existe outra família que por motivos distintos também recorreu à adopção. Este é mesmo um caso pouco frequente e por isso eu até lhe chamo especial. Eu creio que este casal e as suas duas filhas biológicas são mesmo muito especiais.
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Um dia a Filomena, foi fazer uma visita a uma amiga que tinha acabado de ter um bebé, mas como tinha nascido antes do tempo, estava na incubadora. A minha amiga Filomena, foi espreita-lo, pois não podia entrar. Mas ao observar o bebé da sua amiga, reparou num outro que estava ao seu lado. Ficou intrigada com o facto de este ser bastante maior que qualquer outro bebé, reparou que estava entubado e demasiado parado. Ficou tão tocada que questionou a enfermeira sobre aquele bebé. A resposta veio pronta, como se já tivesse sido dada centenas de vezes, mas ainda assim, a enfermeira explicou, que a mãe o abandonou assim que o acabou de ter. Era toxicodependente, nunca fora acompanhada durante a gravidez e este bebé tinha nascido com imensos problemas. Tinha nascido muito antes do tempo, e tinha guerreado para conseguir ficar por cá. Mas sofria de paralisia cerebral profunda, nunca iria falar, andar nem sorrir. Esta minha amiga já tinha duas filhas de 10 e 13 anos, trabalhava e tinha uma vida tranquila. Mas a visão daquele bebé não lhe saia da cabeça, de modo que passou a ir à maternidade visita-lo. Rapidamente entendeu o que sentia e que não queria sentir. Mas era algo tão forte, que decidiu falar com toda a família e explicar o que gostaria de fazer. Eles adoptaram este bebé. Entre imensas mudanças que a vinda do Manel trouxe a esta família, a maior foi o facto desta minha amiga ter deixado de trabalhar para poder cuidar dele. O Manel vai crescendo, mas não anda, não vê e só emite uns sons que a mãe diz entender. Este foi o maior acto de amor que presenciei até hoje. Pois não conheço outro igual e digo-vos que quando estamos todos juntos sinto uma paz e uma harmonia difícil de explicar. Adoro estas pessoas, pois aquilo que fizeram foi do mais elevado que algum ser humano pode fazer.
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Por isso não me digam que tudo é mau, que não se pode confiar em ninguém, que eu sou sonhadora e mimada. Desculpem eu tenho é muita sorte por ter cruzado um dia com pessoas tão extraordinárias como estas e que tanto tem para me ensinar.
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Mimos meus
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Foto da Net
Os nomes foram alterádos por motivos obvios